Thursday, September 28, 2006

ATÉ ONDE A MEMÓRIA ALCANÇA II: O Rock No Brasil

Para a grande maioria, o Brasil resume-se a praias, Carnaval e novelas. O facto não é de admirar, já que são esses os produtos de maior exportação daquele país para o nosso. Se juntarmos a isso a música que de lá nos chega, e que nos é impingida diariamente em doses maciças, cria-se uma imagem estereotipada do que é a realidade cultural bastante diferente de um dos maiores países do mundo.
De facto, o Brasil possui culturas alternativas que raramente chegam ao conhecimento do público geral. Tal não é de admirar, uma vez que os projectos musicais nacionais de cariz alternativo também não encontram grandes apoios ou divulgação, especialmente por parte das rádios locais, que têm o dever de promover as nossas sonoridades e divulgar um outro lado da música portuguesa. Mas, adiante!
O fenómeno rock brasileiro começou, como em muitos outros lugares do mundo, já em finais dos anos 50, inícios dos anos 60. As principais influências de que se revestiria seriam, como é natural, o que pelos mercados Anglo-Saxónicos se produzia e exportava. Aliás, assim como noutros países, ia acompanhando as tendências que de lá vinham, evoluindo com maior ou menor criatividade ao longo dos anos.
O “Iê-Iê”[1] e o movimento “A Jovem Guarda”, derivado de um programa de televisão, seriam os principais dinamizadores de um certo movimento Underground que se começou a impor, por mérito próprio, nas camadas mais jovens da população. É nessa altura que emergem nomes como Roberto Carlos, Raul Seixas, os Jet Black’s, os Língua de Trapo ou Luizinho e Seus Dinamites. Paralelamente, o chamado “Tropicalismo” surge como forma contestatária, englobando alguns elementos rock. O seu papel será, contudo, e no que a este artigo diz respeito, relevante no sentido em que irá influenciar compositores do período Pós-Punk e do pop/rock oitentista e pós anos 80, e, juntamente com elementos de músicas tradicionais, ajudará a criar uma identidade própria na música que nas Terras de Vera Cruz se fazia e se faz.

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Capa do 1º LP dos Jet Black’s
Enquanto nomes como o de Erasmo Carlos se afirmavam numa vertente mais de Country-Rock, o Rock Progressivo e o Hard-Rock implantavam-se ao longo dos anos 70. Bandas como os O Nosso Som de Cada Dia, Terreno Baldio, A Barca do Sol, Mito Perpétuo ou Tutti Frutti, no campo do Rock Progressivo, ou os Secos & Molhados[2] e Eddy Star, numa vertente mais Glam, impunham o seu som e ditavam as regras.
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Capa do 1º Lp dos Secos & Molhados
Contudo, a mais marcante das bandas brasileiros, antes da Revolução Punk, terá sido os Mutantes[3]. Quer na vertente performativa, quer na vertente lírica, quer, e especialmente, na inovação sonora, serão eles a dar o grande impulso na modernidade do som brasileiro.
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Capa do 3º Lp dos Mutantes
Entretanto, muitos dos músicos que tinham desempenhado um papel de relevo no evoluir da música brasileira, vão enveredando por fórmulas menos artísticas, mas mais lucrativas (como Roberto e Erasmo Carlos), enquanto outros tentam a sua sorte a solo, mantendo a sua integridade e adaptando-se aos novos tempos (Ney Mato Grosso ou Rita Lee, por exemplo). Novos ventos, no entanto, já sopravam de Inglaterra e dos E.U.A. O Punk e a New Wave tinham chegado para ficar!
Nesta altura, e à semelhança do que sucedeu em Portugal, uma miríade de bandas vais explodir um pouco por todo o país, mormente nos centros urbanos mais importantes. Assim, São Paulo, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Brasília ou Belo Horizonte vão ver nascer vários grupos que irão marcar os anos 80 brasileiros e que irão projectar a sua importância ainda no novo milénio. Como nos outros países, o movimento vai permitir o emergir de projectos muito diferentes e de vários estilos dispersos.
Bandas como os AL-5, Lixomania, Joelho de Porco, Aborto Elétrico, Olho Seco, Garotos Podres, Cólera, Inocentes, Não-Religião, Ratos de Porão, Magazine ou Camisa de Vênus, ganharão projecção, mesmo internacional, no campo do Punk/Hardcore. No Rockabilly ganham relevo Eddy Teddy, Coke-Luxe, Kães Vadius, Octávio e os Quatro-Olhos ou os A Grande Trepada, enquanto no Psychobilly os Cascavelettes e os S.A.R. se afirmam como principais bandas.

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Capa do LP “Sistemados Pelo Crucifas”, dos Ratos de Porão

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Capa do 1º LP dos Camisa de Vénus

Noutro campo diferente, nas sonoridades Hard’n’Heavy, vão surgir importantes projectos tais como Módulo Mil, Patrulha do Espaço, Golpe de Estado, Viper, Angra, ou os internacionalmente reconhecidos Sarcófago e Sepultura.

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Capa do 1º LP dos Sepultura
Contudo, serão o Pós-Punk e a New Wave[4] a ter um maior impacto social e, inclusive, a nível de vendas, sendo alguns dos projectos derivados de antigas bandas Punk. Kid Vinil[5], Ira!, 365[6], Legião Urbana, Capital Inicial[7], Gang 90, As Absurdettes, Blitz, DeFalla, Kid Abelha e os Abóboras Selvagens, Terço, Os Paralamas do Sucesso, Barão Vermelho, Titãs, RPM, Tokyo, Zvidoq Moe, Plebe Rude, Mercenárias, Violeta de Outono, João Penca e seus Miquinhos Amestrados, Ultraje a Rigor, Fellini, Enginheiros do Hawaii, Os Replicantes, Picassos Falsos ou Metro, são apenas alguns nomes de relevo entre muitos outros que vão impor, definitivamente, um conceito de Pop/Rock brasileiro.
Foram, sem sombra de dúvida, os anos de ouro da música brasileira! Embora a maior parte dos grupos não sobreviva à viragem da década; alguns vão se impor e ter um impacto nunca antes visto por aqueles lados.
O maior marco vai ser, sem dúvida, os Legião Urbana. Iniciando-se com a “modesta” quantidade de 50.000 exemplares vendidos do seu primeiro LP, irão tornar-se num fenómeno sem precedentes, chegando a vender mais discos que os Beatles! O seu segundo LP, modestamente intitulado de “Dois”, verá, também, uma edição portuguesa. O grupo dará por findas as suas actividades após a morte do seu vocalista, Renato Russo, em meados dos anos 90, não sem antes ter editado, paralelamente, alguns discos a solo. Após o término da banda, também Marcelo Bonfá segue carreira a solo.

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Capa dos 1º e 2º LP’s dos Legião Urbana

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Os Legião Urbana na altura do álbum “V”

Outro grupo que terá sucesso, são os Barão Vermelho. A saída do seu vocalista, Cazuza, para seguir uma carreira solo, ainda nos anos 80, em nada afectará a continuação do projecto, prolongando-se a sua carreira até aos dias de hoje. A carreira solo de Cazuza terá um fim abrupto no final da década, devido à sua morte.

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Barão Vermelho (ainda com Cazuza)

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Capa do 1º Lp dos Barão Vermelho
Sobreviventes serão, também, Os Paralamas do Sucesso. Numa vertente mais Ska, continuam, ainda hoje, a editar discos. Um dos seus elementos, Herbert Vianna, investirá, também, numa carreira a solo, mas sem nunca descurar o projecto principal.

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Capa do 1º LP d’Os Paralamas do Sucesso

Os Plebe Rude são outra das bandas emblemáticas da New Wave brasileira. Tendo, recentemente, reactivado a sua carreira, foram, aquando do seu surgimento, responsáveis pela injecção de uma grande carga de adrenalina no panorama musical.

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Capa do 1º LP dos Plebe Rude

Os Capital Inicial e os Titãs, continuarão a sua carreira, com grande sucesso e sempre com um carácter inovativo que os mantêm entre as melhores propostas vindas do Brasil. Dos Titãs, Arnaldo Antunes chegou a enveredar por uma carreira a solo, o mesmo acontecendo com Fê Lemos, dos Capital Inicial.

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Capa do 1º LP dos Capital Inicial

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Capa do 3º LP dos Titãs
De referir ainda, grupos como os Ultraje a Rigor, Fellini, RPM ou Tokyo pelos seus feitos. No caso dos Ultraje, as suas vendas destacaram-nos da maioria das bandas, tendo um dos seus temas sido genérico da novela “Brega & Chique” (quem é que não se lembra do refrão «Pelado, pelado, nu com a mão no bolso»?). Os RPM merecem referência por terem sido, numa altura em que faltavam meios, uma banda que revelou uma dimensão de profissionalismo até aí ausente por esses lados. Os Tokyo tiveram um certo relevo devido à sua colaboração com Nina Hagen no tema “Garota de Berlim”. Por fim, os Fellini, por terem também resistido ao desgaste do tempo, chegando a participar em bandas sonoras de cinema aletrnativo.
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Capa do 1º LP dos Tokyo

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Capa do 1º LP dos Fellini
Do Pós-Punk e da New Wave, vai sair uma vertente mais obscura, de negro tingida e plena de emotividade. É o caso de grupos como os Ethiopia, Cabine C[8], Ness, Muzak, Gothic Vox, Pére Lachaise, Finis Africae, Escola de Escândalos, Smog Fog, Arte No Escuro ou Último Número, enquanto a sonoridade das Mercenárias não andava longe de uns Siouxsie And The Banshees. Paralelamente, surgem projectos mais experimentais, com vertente electrónica, tais como os Harry (ainda no activo), os Mulheres Negras, Akira S. e as Garotas que Erraram ou os Símbolo, estes últimos os mais obscuros, numa vertente EBM.

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Capa do LP dos Cabine C

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Capa do 1º Lp dos Muzak

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Capa do 1º LP dos Finis Africae

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Capa do 1º LP das Mercenárias

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Capa do Lp dos Arte no Escuro

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Capa de uma compilação dos Violeta de Outono
Outras vertentes proliferaram neste grande “boom” da música brasileira. Numa vertente mais Rock, singraram projectos como Lobão, Chico Science ou Mundo Livre S.A. Por outro lado, há que citar Marisa Monte, que fez a fusão entre a Pop, Jazz, Bossa Nova e músicas tradicionais. Outro projecto que pautava pela originalidade, e um pouco difíceis de catalogar, foram os Pato Fu.
Claro que tão prolífera e criativa explosão, projectou estilhaços para os anos futuros. Além dos já mencionados sobreviventes, surgem novos projectos, tais como os Morcegos, os Mamonas Assassinas[9], Skank, Charlie Brown Jr. ou Pitty, entre muitos outros, havendo, actualmente, um grande interesse em recuperar essas bandas já quase perdidas no esquecimento, sendo o chamado Brock (Brasil Rock) objecto de culto.

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Capa do único álbum dos Mamonas Assassinas

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Capa do 1º álbum dos Pitty

[1] Em Portugal, semelhante fenómeno aconteceu, embora com a nuance de pronúncia “Ié-Ié”. O nome deve-se ao facto de os músicos anglo-saxões utilizarem muito o termo yeah-yeah nas suas canções.
[2] Onde pontilhava Ney Mato Grosso.
[3] De onde sairia Rita Lee.
[4] Chamada, pelos brasileiros, de “Niuê”…
[5] Ex-elemento dos Magazine.
[6] Com elementos que eram dos Lixomania.
[7] Estas duas últimas formadas por ex-elementos dos Aborto Elétrico.
[8] Projecto de um ex-elemento dos Titãs, Ciro Pessoa.
[9] De curta existência, uma vez que todos os seus elementos morrem numa queda de avião após o lançamento do seu único disco.