Sendo a mais importante banda do underground nacional, e com uma carreira já reconhecida internacionalmente, acabaram de editar o seu mais recente trabalho, “Instinct”, álbum que se encontra na décima posição da tabela alternativa alemã. Foi este o mote que nos serviu para procedermos a esta entrevista.
S.M.: O vosso nome evoca um certo romantismo, fantasmas vitorianos e atmosferas difusas de algo externo que não se consegue bem agarrar. Contudo, as vossas letras evocam algo de mais íntimo, dentro de nós. Havia intenção em ter um nome que jogasse com isso?
P.V.: Para ser sincero, e sem azo para dúvida, o nosso nome não é o que temos de mais identificativo. Na realidade, resulta de uma coincidência distraída, embora feliz. Estarmos aqui a desmontar poeticamente um nome que, na verdade, não teve na sua origem a contribuição de uma qualquer musa inspiradora de cariz divino, era insistir numa fraude desnecessária. Este nome surge da comum necessidade de atribuir uma identidade ao projecto, tão-somente.
No entanto, e após tais declarações de pautada frieza, sinto-me na obrigação de destacar que, não obstante o processo descomprometido a que submetemos essa tarefa, verdade é, também, que o nome que se acabou por eleger faz parte do meu imaginário e não foi, obviamente, lançado ao calhas, tipo “Dead Mushrooms” ou “Flying Umbrella”...
A verdade é que, poeticamente, uma das ideias que mais me atrai é a dos contrastes e, como não é difícil de perceber, é essa essencialmente a ideia chave deste nome... Mais tarde, veio juntar-se uma coincidência valiosa ao processo, valiosa porque, na verdade, considero ser o contributo mais interessante para a imagética do nome, e simultaneamente o mais intrigante, visto tratar-se de um contributo externo ao qual somos totalmente alheios, um contributo com o qual o acaso decidiu presentear-nos... Trata-se da definição científica para o termo Phantom Vision, que é o nome atribuído a uma patologia cerebral, ainda em estudo, e cujos doentes, por força da acção da patologia, vivem de acordo com um mundo paralelo que lhes chega através das imagens que vêm e que o cérebro doente trata de modificar... É uma doença enigmática.
S.M.: Desde os inícios, até hoje, foi uma longa caminhada. Falem um pouco disso...
P.V.: Hum… Longa mesmo!... Não sei por onde começar, uma vez que o início está inalcansavelmente distante... Encurtemos, pois então, a caminhada para metade e comecemos pelos Art of Dark.
A banda surge no início de 1990, fruto da combinação das ideias dos seus cinco elementos fundadores, eu (Pedro Morcego), o Pierre Dumond, o Fernando Ramalho, o Diogo Duarte e o Paulo Sérgio.
Todos nós já tínhamos estado em projectos anteriores, e naturalmente que, para além da relativa experiência que todos tínhamos, havia, acima de tudo, uma enorme vontade de avançar com aquele projecto e de cruzar essas mesmas experiências e ideias na concepção urgente de algo novo.
O resultado, não obstante a minha suspeição, foi tão magnífico quanto reservado. O trabalho da banda ficou registado numa série de gravações descomprometidas e numa maqueta, intitulada “X-Ray Kisses”, gravada no estúdio Tubo de Ensaio, e que permaneceu meticulosamente guardada, em segredo, em gavetas das nossas casas, sem que, infelizmente, tivessem sido divulgadas, de alguma forma, ao público.
Seguiram-se os Electric Wet Dreams, em 1996, resultando, essencialmente, de uma evolução no sentido estético das sonoridades, ou seja, da necessidade de aprofundar criativamente as ideias, as técnicas, as sonoridades, as temáticas e as ambiências criadas com os Art of Dark.
Saíram o Paulo Sérgio e o Diogo Duarte, tendo os restantes elementos assegurado a continuidade, permanecendo o Fernando na guitarra, eu na voz, baixo e programações de uma modesta caixa de ritmos à moda antiga, e tendo o Dumond passado da guitarra ritmo para os teclados.
A partir daí, entre diversas mudanças de line-up e todo o tipo de contratempos, a banda tratou de gravar diverso material promocional e efectuou largas dezenas de concertos ao vivo, acabando por se tornar num ícone do movimento underground, não só na capital como, também, no resto do país.
Em 2000 chegamos aos Phantom Vision, pelas mãos do Trevor Bramford, mentor, não só, dos Ingleses Midnight Configuration como, também, da famosa editora independente Nightbreed Records, responsável pela edição de discos extremamente marcantes, nessa época, como, por exemplo, os discos dos Suspiria, o famoso álbum dos Athamay, os Corpus Delicti, os próprios Midnight Configuration, os Killing Miranda, etc., etc., além de ”Nocturnal Frequencies”, o primeiro longa duração dos Phantom Vision. A partir daí, a história não tem mais segredos, indo-se o presente construindo e, ao mesmo tempo, fazendo história...
S.M.: Qual o episódio, como banda, que vocês acharam mais engraçado e que vos tenha sucedido?
P.V.: Epá! Pergunta difícil!... São milhares os episódios engraçados a ocorrerem, de forma constante, a quem está numa banda e, principalmente, a quem anda na estrada. O tipo de vida propicia exactamente isso... Recordo-me essencialmente de momentos idos, maioritariamente provocados pela euforia alcoólica, em plena força da juventude, e que resultaram em situações desastrosas, mas que hoje, alguns anos passados, conseguem arrancar-me profundos sorrisos de nostalgia... Palcos a arder, baterias urinadas, etc., etc., etc. Foi engraçado, e é esse o adjectivo a que a pergunta apela.
S.M.: Houve certas coisas, opções no passado, que vocês, conscientemente, decidiram não tomar e que, por tal, daí viram frutos?
P.V.: Para ser sincero, não consigo recordar qualquer situação semelhante. Não tomar uma decisão é, na realidade, tomar uma. Portanto, e olhando para trás, concluo apenas que tudo o que se construiu, foi feito com todas as decisões, melhores ou piores, que se tomaram.
S.M.: A mudança de nome, do mítico Electric Wet Dreams para o de agora, acarretou a opção de outro caminho musical?
P.V.: Não, de forma alguma! Essa mudança resumiu-se, única e exclusivamente, ao nome, tendo todo o resto permanecido intacto.
S.M.: Segundo sei, vocês têm tido uma grande receptividade em Espanha. Surpreende-vos esse facto?
P.V.: Temos trabalhado para isso e, como tal, não podemos falar propriamente de surpresas.
Julgo, também, que o factor distância propicia a criação natural de imagéticas enigmáticas relativamente aos artistas e, consequentemente, algum “engrandecimento” em relação à forma de gostar e de sentir os seus trabalhos... Talvez seja isso… Certo é que, em Espanha, temos, de facto, um grande público, muitos discos vendidos, concertos lotados e muito, muito feedback todos os dias!...
S.M.: E noutros países, como é que tem sido a recepção ao vosso trabalho (incluindo este último)?
P.V.: Francamente, tem sido boa. Em Portugal, ainda não temos distribuição para este trabalho e, como tal, sente-se que as reacções ao disco são diminutas, em comparação com qualquer outro país Europeu ou mesmo Americano.
Um pouco por todo o mundo, os discos de Phantom têm sido recebidos com muita euforia e, de disco para disco, sentimos que o reconhecimento se vai consolidando e nos vamos tornando numa banda de referência para cada vez mais e mais público... Isso é extremamente gratificante!
S.M.: Têm visto frutos do vosso lavor aqui ou acham que este tipo de música só se implanta se vier do estrangeiro?
P.V.: Não! Também aqui sentimos um reconhecimento crescente, não obstante constatarmos haver uma diferença de grau muito significativa.
S.M.: Falem-me deste novo disco. Aplicam-se aqui apenas aqueles velhos clichés de que é o vosso melhor até agora ou que estão melhores como músicos, ou há algo de mais próprio e genuíno que vocês sintam em relação a ele?
P.V.: A evolução é uma constante em todo o Universo e, como tal, existe, naturalmente, uma evolução neste último trabalho em relação aos anteriores.
Mais uma vez, foi um disco totalmente gravado, produzido e misturado por nós, nos estúdios Batcave, e posso-te garantir que esse processo constitui uma fatia extremamente importante da magia de cada trabalho que fazemos.
Grande parte da genuinidade e pormenores que constituem a secreta intimidade de cada disco, nasce, cresce e ganha personalidade própria no decorrer desse período de magia e paixão. Acontece que, evoluir nesse processo, é evoluir nos diversos discos e nos seus conteúdos poéticos e artísticos.
No caso concreto deste último trabalho, é um disco quente, caracterizado pela enorme diversidade de informação e mensagem, mas em que os diversos temas seguem um trajecto com destino comum, umbilicalmente ligados pelo conceito guia, que aparece como o denominador comum para este enorme jardim de diversidade: o conceito de instinto, tão simples e redutor quanto complexo e sinistro, quando em contacto com o misterioso mecanismo do cérebro humano.
S.M.: Acham que nos anos 80, que são uma referência vossa, teriam se sentido mais ambientados, que essa seria uma época mais propícia, ou, pelo contrário, esta é que foi a época ideal para vocês surgirem?
P.V.: Para ser sincero, é minha convicção de que os anos 80 tinham, sem dúvida, o cenário, o contexto, a inspiração e as infra-estruturas físicas, sociais e morais perfeitas para a adequada sobrevivência, em habitat apropriado, dos Phantom Vision e de todo o seu mundo de sonho, imaginários e atitude.
O sonho, no entanto, ultrapassa o tempo, e a capacidade de sonhar torna-nos infinitamente dotados da possibilidade incrível de adaptação a novos habitats, próprios de novos tempos...
Nesse sentido, entendo que estes são igualmente o lugar e o momento perfeitos para existirmos, até porque foi de facto o momento em que, concretamente, aparecemos e existimos. É a lei da natureza e, contra isso, nada há a fazer!
Por outro lado, orgulha-nos o facto de existirmos agora, pois consideramos tão importante o papel e a responsabilidade de dar continuidade ao movimento alternativo e underground, guiando-o e influenciando-o com a nossa experiência e criatividade, quanto o papel daqueles cuja tarefa foi a de o criar e trazer até nós...
Imaginem um género de uma corrida de estafeta. O testemunho foi-nos passado e compete-nos, agora, fazer a melhor prova possível, no sentido de o entregar nas melhores condições às gerações futuras, para que estas prossigam orgulhosamente esta nossa corrida que é o Underground.
S.M.: Como surgiu a opção de editarem por esta editora (a Cop International)? Aqui não havia interessados?
P.V.: Esta é a editora para a qual estamos a editar há já alguns anos. Este é, na verdade, o terceiro disco que sai com o selo da Cop International.
Quando começamos a editar pela Cop, vínhamos da Nightbreed e, portanto, já situados numa perspectiva de mercado internacional. A Cop mostrou interesse e assinámos contrato, pois as suas propostas e conteúdos de orientação, não tanto musicais mas essencialmente ideológicos, nos pareceram interessantes, assim como a enorme capacidade de distribuição que, ainda hoje, demonstram de forma reforçada, essencialmente graças aos acordos que têm vindo a estabelecer.
Quanto à segunda parte da pergunta, não, nunca houve, por parte de qualquer entidade nacional relevante, pública ou privada, um interesse significativo em toda a actividade, curriculum e destaque que nós, apenas com o nosso próprio trabalho e dedicação, numa autêntica prova de obstáculos, temos concretizado, não obstante a constatação de que lá fora, as entidades internacionais nos dirigem todo o apoio, respeito, consideração e reconhecimento que mereceríamos por parte do nosso próprio país.
S.M.: Acham que a música está a tornar-se demasiado dependente das novas tecnologias ou pensam que isso é inevitável?
P.V.: Penso que as coisas evoluem, e a tecnologia tem sido o sentido da evolução desde sempre, de uma forma mais marcante desde a Revolução Industrial, creio.
A música acompanha o sentido da evolução da actividade humana, e as velhas tecnologias já foram novas noutra época.
Creio que o que é necessário é que, nas diversas etapas da evolução, e mais concretamente na evolução ao serviço das artes, o piloto e o guia sejam o cérebro humano.
Para os interessados, aqui ficam possíveis contactos:
www.myspace.com/phantomvisionhttp://www.phantomvision.net